A historia do navio fantasma nazista.


Quase 60 anos após o naufrágio, o Steuben, navio alemão da Segunda Guerra Mundial é encontrado

Christoph Gerigk
Navio alemão Steuben, afundado na Segunda Guerra
Nesta imagem feita por um sonar, vemos o navio Steuben, achado em abril de 2003, deitado de lado, a 72 metros de profundidade
Quando a Segunda Guerra Mundial já chegava ao fim, o Exército soviético invadiu a Prússia Oriental. Cerca de 5,2 mil alemães, entre refugiados e soldados feridos, estavam a bordo do Steuben. Atingido por um submarino, o navio afundou nas águas geladas do Báltico, em uma das tragédias marítimas mais mortais da história. Eis, a seguir, como tudo aconteceu.

O mar Báltico estava cinza metálico, cor de nuvens de tempestade, quando nós quatro pulamos na água. Cada um levava vários cilindros cheios, com diferentes misturas de gases, para respirar em profundidades de até 72 metros. Fomos nadando contra as ondas que nos golpeavam com força. Ao chegarmos finalmente à bóia que servia de marca, mergulhamos rápido, e o peso de nosso equipamento nos pareceu bem mais leve.
Nosso objetivo era examinar os vestígios do Steuben, um navio alemão afundado durante a Segunda Guerra Mundial, com cerca de 4,5 mil vítimas – três vezes mais que o Titanic. Uma equipe particular sueca e, depois, a Marinha polonesa já haviam mapeado o naufrágio, utilizando sonar. Mas só alguns poucos mergulhadores já o haviam visto pessoalmente, desde que fora atingido por dois torpedos de um submarino soviético, em 10 de fevereiro de 1945.
Quando atingimos 21 metros, o mar estava escuro como a noite: mesmo com nossos poderosos holofotes submarinos, não víamos nada mais que o cabo de mergulho, preso à bóia e que descia até as profundezas. Quanto mais fundo mergulhávamos, mais escuro o mar e mais sinistra a sensação. Enfim, a 50 metros de profundidade, um vulto foi surgindo na escuridão – ele jazia de lado. Ao chegar perto, consegui distinguir o contorno do casco, coroado por uma elegante amurada e várias fileiras de escotilha. Construído em 1923, em 1944 o Steuben foi convertido em navio de transporte para soldados feridos. Armado com canhões antiaéreos, toda a embarcação, com 168 metros de comprimento, estava apinhada de mais de 5 mil pessoas, incluindo pelo menos mil refugiados civis, quando foi atacada, 65 quilômetros ao largo do litoral da Alemanha. Apenas 659 pessoas foram salvas das águas frígidas.
Pensei nas terríveis cenas de 60 anos atrás: a multidão espremida nas passagens estreitas, lutando para chegar à popa e encontrar um bote salva-vidas. Quando espiei pelas janelas arrebentadas, o que mais me surpreendeu foi o total vazio: nenhum equipamento naval, nenhuma bagagem jogada no chão, nada. A força das ondas que inundaram o convés deve ter sido tão grande que arrastou tudo, deixando apenas as paredes nuas.
Depois, vi a entrada para os salões de concerto, que ficaram superlotados de alemães feridos. Eu sabia que lá dentro deviam estar os restos mortais de milhares de pessoas. Lembrei-me do que me disseram os oficiais da Marinha polonesa, após investigarem o naufrágio, em maio de 2004. Examinando bem o leito marinho, encontraram toda a área “juncada de caveiras e ossos”.
Assim, não entramos no navio. Não só porque era perigoso – podíamos nos enroscar nos cabos e acabar ficando sem oxigênio –, mas também por pensar que esse túmulo submarino merece respeito. Era fácil imaginar os dramas que haviam ocorrido ali, pois, eu mesmo, já ouvi relatos de alguns dos sobreviventes da tragédia que ainda vivem. Apesar de todas as barbaridades que os nazistas fizeram contra o meu país, a Polônia, fiquei com lágrimas nos olhos ao ouvi-los.
No início do inverno de 1944, o clima estava surpreendentemente quente na Prússia Oriental, província alemã espremida entre a União Soviética e a Polônia, na época sob ocupação nazista. A lama nas estradas impedira os tanques de Stalin de retomar a ofensiva que fora interrompida meses antes. Os comandantes soviéticos estavam apenas esperando que se formasse um pouco de gelo no solo para avançar e arrebentar as improvisadas linhas de defesa que os civis alemães haviam erguido às pressas.
O chão congelou em meados de janeiro, e uma avalanche de 200 divisões soviéticas avançou ao longo da frente oriental. Os exércitos já reduzidos do III Reich não foram capazes de detê-los, e logo as estradas estavam cheias de soldados alemães em retirada. “Ivan está chegando!”, diziam eles aos civis. “Fujam!” Os civis alemães sabiam muito bem o que significaria um encontro com o Exército soviético. Conheciam a história de Nemmersdorf (Mayakovskoye), uma aldeia da Prússia Oriental arrasada pelos soviéticos no outono anterior. Ali os soldados do Exército Vermelho haviam executado uma vingança sangrenta pelos três anos de sofrimento causados pela invasão alemã na Rússia. Depois de tomar a aldeia, os soldados estupraram todas as mulheres, de todas as idades, e depois as crucificaram na porta das casas e dos celeiros. Os homens e as crianças foram mortos a pauladas, a tiros ou atropelados por tanques. Quando mais tarde os alemães retomaram a aldeia, convidaram repórteres de países neutros – Suécia, Suíça e Espanha – para ver o que o Exército Vermelho havia feito. Logo os cinemas alemães mostravam um documentário aterrorizante, filmado nessa aldeia.
Já no fim de janeiro, Helene Sichelschmidt, de 19 anos, professora de jardim-de-infância, trabalhava em sua escola, em Aweyden (Nawiady), quando soldados alemães em fuga trouxeram feridos para o pátio da escola. “Estavam exaustos das batalhas e com medo”, lembra-se ela. “Eles nos avisaram que os russos haviam cercado a Prússia Oriental e que era hora de fugir.” Juntamente com Marti Gleich, sua colega de trabalho, Helene escapou, levando apenas a maleta que tinha consigo na escola.
As duas jovens encontraram as estradas coalhadas de gente. Abrigando-se dos ataques dos aviões soviéticos em vôos rasantes, as duas passavam as noites em casas abandonadas ou carros destruídos à beira da estrada. Depois de duas semanas perambulando pela neve, muitas vezes a pé, finalmente foram transportadas num barco pesqueiro que levava soldados através de uma baía, a Frisches Haff (Vislinkiy Zaliv), até o porto báltico de Pillau (Baltiysk). A cidade era deprimente. Bombardeada alguns dias antes, estava cheia de feridos. Em certo momento, havia quatro refugiados para cada habitante da cidade. “O porto estava repleto de soldados envoltos em bandagens ensangüentadas, muitos deitados em macas ao ar livre”, relata Helene. “Eles pediam água, imploravam ajuda. Havia também muitos refugiados como nós, buscando a chance de embarcar em algum navio.”
Em meados de janeiro, a Alemanha dera início à Operação Hannibal, uma retirada naval que foi crescendo e acabou abrangendo também civis, tornando-se a maior evacuação marítima da história. Durante quatro meses, quase 1,1 mil navios alemães atravessaram o mar Báltico, transportando cerca de 2,4 milhões de pessoas para lugares seguros. Embarcações de todos os tipos rumavam para oeste, partindo de Pillau, Danzig (Gda ´nsk), Gotenhafen (Gdynia), Zoppot (Sopot) e Hel. Eram navios de passageiros e da Marinha, navios mercantes, levando refugiados nos compartimentos de carga, e até mesmo pequenos barcos de pesca. O principal ponto de reunião para os refugiados era em Pillau. Só desse porto foram transportadas 441 mil pessoas para a parte ocidental da Alemanha.
O Steuben aportara em Pillau após sua segunda travessia do Báltico, levando alemães evacuados. O luxuoso navio de passageiros era originalmente de propriedade da empresa Lloyd de Bremen. As cabines tinham decoração art nouveau e havia agradáveis salas de concerto e elegantes salões de fumar. Quando a guerra começou, o navio foi transformado: o casco branco foi repintado com manchas cinza de camuflagem militar, e os conveses onde os passageiros em férias passeavam, equipados com canhões antiaéreos. “Apesar das mudanças no navio, ainda podiam ser sentidos os vestígios do aroma de luxo”, diz Paul Niehaus, que era oficial no Steuben. Em Pillau, em 9 de fevereiro de 1945, Niehaus ficou assistindo ao embarque: o navio, com capacidade oficial de pouco menos de 1,1 mil passageiros, recebeu uma quantidade de pessoas várias vezes maior.
“Os soldados com ferimentos mais graves tinham prioridade para subir a bordo”, diz Joachim Wedekind, oficial da Marinha Mercante que hoje vive próximo a Nova Orleans e que também estava no Steuben naquele dia. Wedekind, que trabalhava no porto de Pillau como encarregado do embarque de passageiros, estava a caminho de Swinemünde ( ´Swinouj ´scie) para alcançar o M.V. Marburg, um navio-hospital do qual era capitão. Durante a fatídica viagem do Steuben, ele ajudou os oficiais do navio em alguns deveres.
“Todos os salões, cabines e corredores estavam repletos de soldados feridos”, lembra-se ele. Então, quando parecia que não havia lugar para mais nenhuma pessoa a bordo, o capitão do Steuben, Karl Homann, desafiando as ordens de Hitler, decidiu aceitar mais mil refugiados. Eles receberam ordem de deixar sua bagagem no porto e encontrar algum lugar para ficar no meio dos feridos, nos corredores superlotados. Antes de o navio partir, diz Wedekind, “calculamos que tínhamos 5,2 mil pessoas a bordo”. O capitão, porém, registrou apenas 4,2 mil.
Um dos soldados feridos que conseguiu embarcar no Steuben era Gerhard Döpke. Hoje professor aposentado, havia treinado como piloto na Luftwaffe, a Força Aérea alemã, até que a escassez de combustível obrigou os aviões a passar a maior parte do tempo estacionados nos hangares. Döpke foi então enviado para unir-se às forças de terra, e acabou na divisão comandada por Hermann Göring na frente oriental, onde encontrou “lama, fome e morte”.
No fim de janeiro de 1945, Döpke foi ferido na cabeça e no braço, por uma granada. “Fiquei com 30 estilhaços no corpo. Estava semiconsciente quando fui transportado através de Königsberg (Kaliningrad) até Pillau, num trem-hospital”, recorda ele. Ali foi embarcado de maca no Steuben. “Os feridos mais graves eram postos nos conveses superiores”, diz. “E foi isso que me salvou.”
Enquanto levas e mais levas de soldados feridos inundavam os conveses do Steuben, Helene Sichelschmidt e Marti Gleich observavam do porto, abrigadas num caminhão destruído, coberto de neve. Foi então que um marinheiro do Steuben, caminhando pela margem, perguntou a elas se queriam embarcar. Depois, com o auxílio de outro marinheiro, ajudou as moças a entrar, espremendo-se por uma escotilha. “Como esses marinheiros estavam de plantão, cederam a cabine deles para nós”, conta ela. “Foi a primeira vez em duas semanas que nós pudemos nos lavar e dormir numa cama de verdade.”
No início da tarde de 9 de fevereiro, o Steuben soltou as amarras e partiu de Pillau, navegando a uma velocidade de 12 nós, rumo a Swinemünde, a dois dias de distância. Até chegar à península de Hel, o Steuben foi escoltado por um único navio caça-minas. Depois disso, dois velhos barcos torpedeiros acompanharam o navio.
A temperatura amena foi uma surpresa agradável; à tarde esquentava e chegava a 0ºC. Depois do pôr-do-sol, o vento esmoreceu, o mar se acalmou, a lua surgiu e o céu ficou cheio de estrelas. Nas salas de operação improvisadas, os médicos atendiam os feridos e também três mulheres que deram à luz. Soldados e refugiados estavam felizes por conseguir escapar.
O capitão tinha apenas uma preocupação: os submarinos soviéticos. Até pouco antes, os comandantes navais não os consideravam grande ameaça. Mas havia apenas dez dias um submarino soviético conseguira uma vitória espetacular.
Esse submarino, o S-13, era comandado por um oficial tarimbado, Alexander Ivanovich Marinesko. Marinheiro nascido na Ucrânia, de origem romena, ele havia chegado a Leningrado (São Petersburgo) ainda jovem, e subira rapidamente nos escalões da Marinha. “A tripulação o adorava. Os marinheiros respeitavam seus sucessos em batalhas, mas o alto comando não gostava de seu temperamento impulsivo e sua língua afiada”, conta sua filha, Tatiana Marinesko, com quem conversamos em seu apartamento em Kronstadt, na Rússia. No fim de 1944, o S-13 estava estacionado numa base em Turku, na Finlândia. “Marinesko era muito exigente e pontual quando estava a bordo, mas em terra ele relaxava”, diz Alexander Shaguin, diretor do Museu A. Marinesko das Forças Submarinas da Rússia, em São Petersburgo. As histórias sobre as farras de Marinesko aumentaram com os anos. Na véspera do ano-novo, ele conheceu uma sueca, dona de um restaurante em Turku, e os dois decidiram passar a noite juntos.
Quando o superior de Marinesko quis falar com ele sobre os planos para o S-13, começou uma busca frenética pelo comandante. Um marinheiro achou-o no restaurante, mas o comandante ignorou a ordem de voltar e só regressou ao navio pela manhã. Se ele tivesse feito algo semelhante no início da guerra, teria sido fuzilado ou levado à corte marcial. Mas, no fim da guerra, os comandantes experientes eram tão preciosos como o ouro. Assim, seu superior lhe deu uma última chance e o mandou de volta para o mar. “Fico esperando as suas vitórias”, disse ele. Marinesko guardou essa ordem no coração. Em 30 de janeiro, quando seu oficial de vigia o informou de que havia navios inimigos por perto, ele decidiu persegui-los. Minutos depois das 23 horas, horário de Moscou, tal como registrado no diário de bordo do S-13, ele disparou três torpedos contra o Wilhelm Gustloff, um luxuoso navio de passageiros agora repleto de refugiados e feridos.
O navio, com mais de 200 metros de comprimento, começou a afundar, levando 9 mil pessoas à morte no fundo do mar. Essa talvez tenha sido a maior tragédia marítima da história. A segunda maior ocorreria meses depois: o afundamento do Goya, torpedeado por outro submarino soviético em abril de 1945, levando de 6 mil a 7 mil pessoas a bordo. Ambos os navios participavam da evacuação de soldados e civis alemães. Logo depois das 22 horas, horário de Moscou, em 9 de fevereiro, a tripulação do S-13 avistou o reflexo das chaminés das embarcações que escoltavam o Steuben. O operador de sonar do S-13 confundiu o ruído das hélices do Steuben, achando que fosse um cruzador alemão de guerra. Marinesko começou a perseguir seu alvo. De repente, porém, uma das embarcações de escolta se virou e rumou direto para o submarino. Marinesko manobrou seu S-13 e entrou num mergulho abrupto. Passou-se uma hora até que o submarino conseguisse retomar a caçada. Depois de seguir o pequeno comboio do Steuben durante quase duas horas, Marinesko tomou a decisão. Às 2h50 da madrugada, deu ordem ao marinheiro Vladimir Kurochkin para lançar dois torpedos dos canhões de popa contra o Steuben. “Acordei com um barulho terrível”, lembra-se Paul Niehaus. “O navio estremeceu com tanta força que me atirou fora da cama. Eu já tinha passado por outro afundamento de navio, de modo que imaginei o que devia estar acontecendo.” Os torpedos atingiram a proa, matando a maioria dos 334 tripulantes que estavam naquela área. Niehaus, que dormia na popa, sobreviveu ao impacto. “Corri para o convés. A caminho, ouvi tiros reverberando pelos corredores. Alguns soldados feridos que haviam perdido a esperança estavam se suicidando.”
Quando Niehaus chegou ao convés, o navio já estava adernando; as pessoas, tomadas de um pânico indescritível, pulavam na água gelada. “Corri para os botes infláveis e joguei um deles no mar”, diz Niehaus. “Mas quando fui pular dentro dele vi que outras pessoas haviam entrado. Assim, joguei mais um e o mesmo aconteceu. Na terceira vez, amarrei-me com uma corda ao bote e pulei junto com ele no mar. Entraram no bote também dois civis, um soldado ferido e uma enfermeira. Outras pessoas se agarraram nos lados do bote, mas todos morreram em poucos minutos na água gelada.”
Enquanto isso, Gerhard Döpke lutava para salvar a vida, com a mão direita imobilizada em bandagens. “Comecei a me arrastar para subir aquelas escadas íngremes, mas a multidão me derrubou duas vezes”, conta ele. “Quando ouvi os tiros dos suicidas, sabia que precisava me salvar. Alcancei o convés e me arrastei até a amurada. O navio já estava deslizando para as profundezas quando uma enorme onda me jogou ao mar. Agarrei um pedaço de tábua, mas era muito pequeno, e eu quase afundei. Comecei então a rezar, e lembro-me de dizer: ‘Meu Deus, não me deixe morrer afogado como um rato’. Foi então que um milagre aconteceu: um bote salva-vidas vazio veio, flutuando, bem na minha direção. Peguei a corda lateral do bote com os dentes e lutei para subir, agarrando-me com uma só mão. Quando consegui entrar, caí de cara no chão, exausto. Logo alguém entrou em cima de mim, depois mais uma pessoa e acabei com o rosto já quase na água. Gritei com força: ‘Não deixem mais ninguém entrar, senão vou me afogar!’, e perdi a consciência por algumas horas.”
Helene Sichelschmidt e Marti Gleich, acordadas por uma explosão, correram para o corredor. “Os soldados estavam acalmando todo mundo, dizendo que não era nada de grave, apenas uma colisão entre dois navios”, diz Helene. “Mas não acreditei. O navio já estava se inclinando de lado.” De mãos dadas, as duas jovens conseguiram atravessar os corredores apinhados de refugiados que gritavam de pânico, todos tentando subir para os níveis superiores do navio. “Estava me agarrando numa escada quando o navio se inclinou. Minhas pernas ficaram penduradas no ar. Eu iria cair, e nunca conseguiria chegar ao convés se não fosse um soldado atrás de mim. Ele me empurrou para cima, e Marti agarrou minha mão. Ninguém mais que estava atrás de mim conseguiu sair”, lembra-se ela. Quando as duas chegaram ao convés, viram que estavam na proa do navio, que já afundava. Tiraram então os sapatos, deram as mãos e esperaram, até que as ondas as alcançaram.
“Nem sei quando afundei no mar”, recorda-se Helene. Quando voltei à tona, Marti já não estava perto de mim. Chamei seu nome, mas ela não respondeu.” Helene logo alcançou um bote salva-vidas. Ela nunca mais viu sua amiga Marti. Em menos de 20 minutos o Steuben desapareceu sob as ondas.
Satisfeito com seu sucesso, Marinesko voltou para Turku convencido de que afundar dois navios nazistas em duas semanas seria o coroamento de sua carreira. Tinha esperanças de ser agraciado com o título de Herói da União Soviética. “Quando ele voltou ao porto, foi recebido com festa, com dois leitões assados fazendo o papel dos dois navios afundados”, diz Boris Medvedev-Marinesko, enteado do capitão do S-13.
Mas, apesar de suas realizações, os superiores de Marinesko não tinham se esquecido de seu episódio de insubordinação, e ele recebeu uma comenda menos prestigiosa, a Ordem de Combate da Bandeira Vermelha. “Ele guardou sua decepção só para si”, revela o enteado. “A gente via que ele nunca aceitara aquilo”.
Depois da guerra, o quartel-general rebaixou Marinesko de posto, fazendo-o descer dois escalões, e tentou transferi-lo para um navio caça-minas. Ele recusou e foi demitido da Marinha. Ainda tentou trabalhar na Marinha Mercante, mas desistiu, devido a problemas na vista.
Mais tarde, como vice-gerente de um instituto de transfusão de sangue, entrou de novo em encrenca: num dia muito frio de inverno, permitiu que seus funcionários levassem para casa briquetes de turfa, escavados na terra do pátio. Acusado de roubar propriedade do Estado, foi condenado a três anos de prisão no Extremo Oriente, no porto de Vanino, perto de Vladivostok.
“Uma tempestade de neve cobriu nossa casa até o teto”, escreveu ele em carta à esposa. “Para poder sair, tivemos de nos arrastar por um buraco no telhado.” Libertado após um ano e meio, voltou para Leningrado, vindo a morrer de câncer, em 1963. Três décadas depois, logo antes do colapso da União Soviética, Mikhail Gorbachev concedeu a Marinesko o título póstumo de Herói da União Soviética.
Seu túmulo em São Petersburgo é de granito com letras douradas, e tem seu busto em posição bem elevada. Parei diante dele, tentando compreender aquele homem. Seria um assassino de refugiados, como diriam alguns na Alemanha? Ou um talentoso homem do mar, que realizou “o ataque do século”? Ou um guerreiro de espírito livre e independente para quem as batalhas eram simples oportunidades de brilhar? E, por fim, tinha ele o direito de atirar nos navios? Faço essa pergunta ao alemão Heinz Schön, sobrevivente do Gustloff e autor de mais de dez livros sobre batalhas navais alemãs na Segunda Guerra. Depois de hesitar longo tempo, ele responde com uma firmeza surpreendente: “Nós éramos os opressores. Nós atacamos a Polônia; nós iniciamos a guerra.”
Nossa expedição de dez dias estava chegando ao fim quando Heinz Peters, diplomata da Embaixada da Alemanha na Polônia, veio prestar seu respeito aos mortos.
Ao atirar uma coroa de flores vermelhas e brancas nas águas escuras, suas palavras foram: “Possam os povos que vivem às margens do Báltico jamais testemunhar novamente uma guerra. Foi essa guerra, iniciada pela Alemanha, que teve conseqüências trágicas, como a destruição da vida dessas pessoas de quem hoje nos lembramos”.
As flores flutuaram longo tempo até desaparecer, tragadas por enormes ondas.





por Marcin Jamkowski
Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL

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