RIO - Da baleia orca de 6 toneladas ao peixe de 2 miligramas, do polvo que se camufla no fundo do mar ao agulhão-bandeira, capaz de perseguir suas presas a 110 km/h. O leque de habitantes dos oceanos é amplo - e sua diversidade ainda promete levar muita surpresa aos laboratórios. Um levantamento da Universidade do Havaí concluiu, no ano passado, que há 250 mil espécies marinhas conhecidas, mas o número real deve ser maior do que dois milhões.
Capitaneada pelo biólogo Camilo Mora, da Universidade do Havaí, o cálculo de espécies já descritas mundo afora começou após o Censo da Vida Marinha. Durante uma década, pesquisadores de cerca de 80 países empreenderam 540 expedições e, delas, apresentaram 1,2 mil espécies às publicações científicas.
- Apesar do Censo, ainda há pouco esforço para aumentarmos nossos conhecimentos sobre a biodiversidade marinha - lamenta Mora. - Chegamos a uma estimativa do quanto falta descobrir ao comparar nossos dados com outras pesquisas, relacionadas à distribuição e abundância das espécies. Mas boa parte desse conhecimento está em países desenvolvidos, que estão na zona temperada. Enquanto isso, os seres vivos ainda ignorados pela ciência estão, em boa parte, na região tropical.
Nos laboratórios empenhados em decifrar a vida marinha, o sentimento predominante é de urgência. Há o temor de que, com as mudanças climáticas e a acidificação dos oceanos, muitas espécies sejam extintas antes mesmo de descobertas.
Trata-se de muito mais do que o lamento de colecionadores que se veem privados da chance de completar um álbum. Muitas plantas e animais marinhos têm potencial uso na criação de novos fármacos. Cada uma das 700 espécies conhecidas de caracol do mar, por exemplo, produz um coquetel com até 200 toxinas, algumas delas já empregadas como analgésico - uma delas é cem vezes mais eficiente do que a morfina. Um estudo em 2010 estimou que há entre 250 mil e 600 mil substâncias químicas no ambiente marinho, como as toxinas liberadas por esponjas, musgos e águas-vidas. Até 92% delas permanecem ocultas. Deste percentual viriam mais de 200 drogas anti-câncer, cujo valor chegaria a US$ 5,69 trilhões.
Micro-organismos são alvos de nova expedição
O estudo da diversidade marinha prossegue com o uso de microscópios cada vez mais potentes. Enquanto o Censo recém-concluído focou seus esforços em criaturas maiores - lagostas e crustáceos, principalmente -, as novas pesquisas voltam-se aos micro-organismos.
Ainda de acordo com o laboratório de Mora, se todos os organismos minúsculos dos mares fossem empilhados, teriam o peso de 200 bilhões de elefantes. São seres que compõem a base da cadeia alimentar e absorvem o carbono presente no oceano.
- Claro que os bichos maiores atraem atenção para a descoberta de novos ambientes, mas bactérias e vermes também compõem esta riqueza - ressalta o zoólogo Eduardo Hadju, do Museu Nacional (UFRJ). - O sequenciamento genético e os marcadores moleculares são algumas das técnicas que empregamos para descobrir a diversidade desses micro-organismos.
Até os anos 80, segundo Hadju, a ciência aceitava com naturalidade que uma mesma espécie fosse vista em locais totalmente diferentes, como Brasil e Japão. Hoje, por mais que esse intercâmbio ocorra - via água de lastro de embarcações ou plataformas de petróleo, por exemplo -, este cosmopolitanismo é visto com ressalvas. Duas espécies aparentemente idênticas podem ser, sob a lente de um microscópio, totalmente diferentes. O mapeamento genético, portanto, pode revelar que já conhecemos muito mais seres do que pensávamos.
O oceano, portanto, é menos homogêneo do que se pensava. E agora, com as novas tecnologias, está mais acessível. Um dos primeiros grupos a se alçar aos mares buscando micro-organismos é a Tara Oceans. A ONG francesa realizou sete expedições nos últimos nove anos, passando por locais como Groenlândia e Patagônia.
- Estima-se que 98% da biomassa no oceano sejam organismos microscópicos, e eles são o nosso foco - explica Chris Bowler, coordenador científico do Tara. - São seres muito difíceis de estudar, por estarem tão diluídos pelos mares. Conseguimos criar um gasoduto de análise, instalando microscópios na embarcação. Depois enviamos amostras de alta qualidade para os laboratórios, onde eles podem ser analisados com aparelhos mais sofisticados e métodos baseados em DNA.
As passagens pelo Atlântico Sul animaram Bowler. Ele acredita que as Ilhas Malvinas pode entrar no mapa da comunidade científica internacional.
- Alguns estudos indicam que a área ao redor das ilhas é especialmente rica na variedade de plânctons marinhos - revela. - Seria um point de biodiversidade para estes micro-organismos, da mesma forma que os recifes de corais do Pacífico Sul acumulam grande quantidade de espécies.
Por Renato Grandelle (renato.grandelle@oglobo.com.br)
Fonte:| Agência O Globo
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